Oi!
Quando minha querida amiga e paciente me pediu esse texto, fiquei extremamente feliz! Maraisa, além de minha paciente, é uma pessoa que admiro, que me representa e sempre está pronta para me ajudar. Além de ser uma pessoa de uma personalidade extremamente forte e verdadeira; o que hoje em dia esta muito difícil de encontrar.
Então eu decidi falar de mim, não por egocentrismo e sim porque muitas pessoas me julgam. Criaram impressões de mim que não são verdadeiras; logo achei uma oportunidade para vocês saberem um pouco de mim. Não a Dra Katleen Dermatologista especialista em pele negra e sim a pessoa Katleen.
Então vamos lá! Sou a única filha mulher de um casal de gaúchos com três filhos, também sou gaúcha e sou a mais velha; vim para o Rio de Janeiro com meus pais e um dos meus irmãos. Os outros nasceram aqui.
Meu pai, de origem pobre, se tornou medico dermatologista coronel e perito medico. Minha, mãe dona de casa, sempre esteve ao nosso lado durante toda infância. Morei sempre na zona sul do Rio de janeiro e estudei em um colégio alemão. Muitas pessoas irão falar: “Então sua vida foi fácil…”. Realmente, não tenho histórias tristes para contar e sim obstáculos que tive que vencer, igual a todo mundo. Meus pais sempre valorizaram os estudos; na infância não fui à Disney, não tive festa de 15 anos não queria ser paquita e nem Xuxa era minha ídola.
Meu pai me criou lendo uma revista americana Ebony (que ele trazia de suas viagens para os Estados Unidos, Viagens essas que ia sozinho pois não tinha condições de levar todos). Ouvia Stevie Wonder, Donna Summer, Almir Guineto, Bebeto, Alcione, Só Pra Contrariar. Passávamos os finais de ano em Porto Alegre, onde toda a minha família fortalecia minha negritude; pois no Rio de janeiro era sempre a única com os meus irmãos. Mas, meu pai sempre nos encheu de autoestima e nunca nos deixou pensar que não poderíamos; afinal ele ja havia conseguido tanta coisa!
Cresci ouvindo que era linda e mais inteligente, capaz de vencer qualquer situação. Meu pai nunca me permitiu chorar… Falava que enquanto estava chorando as coisas estavam acontecendo.
Prestei vestibular para medicina três vezes, pois ele se negava a pagar particular, até que no ultimo ano implorei a ele; já que estava muito difícil passar para federais…
Acontece que os últimos anos do colégio fiz em Manaus, na época ficamos por 2 anos na cidade, devido ao fato do meu pai ser major. E, ao retornar ao Rio de Janeiro, não conseguia dar conta das matérias básicas para medicina, pois muitas não tive no colégio de Manaus.
Meu pai falava “Você será uma grande medica, igual a mim e de preferência dermatologista.”
Passei para Teresópolis, cidade do interior do Rio, foi um dos anos mais felizes da minha vida. Logo fiz amigos queridos e percebi que tinha eu e mais duas meninas negras; mas eu sempre fui líder e confesso que fui descobrir que a minha cor realmente poderia ser um problema para as pessoas, porque para mim nunca foi, quando decidi fazer dermatologia.
A princípio queria ser pediatra. Quando me formei fui dar plantão de pediatria aos finais de semana e durante a semana estudava pra residência medica. Um dia após um plantão de 24h no Hospital de Belford roxo (baixada do Rio de Janeiro), um sábado de carnaval onde todos os médicos faltaram e só eu fui, tive que permanecer pois caso contrário seria abandono de plantão. Atendi 400 crianças sozinha, se quer comi, fiz incontáveis remoções e não sei como sobrevivi ao stress! Nem dormi naquele dia, foi realmente Deus que me ajudou…
Então cheguei em casa e falei com meu pai chorando que não estava feliz e que não queria ser mais pediatra; acho que por causa daquela situação desumana que vivi. Aí ele falou: “Seja dermatologista como eu!”
Lá fui eu para uma instituição de dermatologia, realizar estágio. No serviço que escolhi, acabava de liberar uma vaga (coisa de Deus) e ali descobri que eu era raridade… Única negra, não era loira, nem rica e nem tinha padrinhos para me ajudar. Me colocaram logo no estágio de enfermaria de dermatologia (lugar que ninguém queria na época, pois todos queriam ir logo para o ambulatório para atender e ter experiência para suas clínicas).
Na enfermaria atendia pacientes graves, muitos com aids e doenças venéreas. Passava finais de semana passando visita… Lá na enfermaria eu era feliz, pois atendia pessoas que precisavam realmente ser cuidadas, muitas abandonadas pela família e me tratavam com respeito o tempo todo como uma doutora. Durante 2 anos fiquei na enfermaria pois fazia as provas para a pós graduação de dermatologia e não me deixavam passar. Mas aí aconteceu a virada: no terceiro ano fiz novamente, já desanimada e exausta, mas com minha família sempre ao meu lado. Estava casada e meu esposo Alessandro sempre ao meu lado e o resultado? PASSEI EM 1º LUGAR!!!!
Na época foi o assunto da dermatologia, mas passei para outra instituição em Niterói, não dava para ficar em um lugar que fazia questão de tentar me menosprezar e tentar me deixa inferior. Estudar na Universidade Federal Fluminense foi maravilhoso! Fiz grandes amigos, professores maravilhosos e aprendi muito. Apresentava muitos casos na dermatologia e em congressos, com um amigo fiel Rodrigo Bragança, meu amigo até hoje; aos finais de semana eu e ele dávamos plantão em São João de Meriti, para pagar as contas de casa, já que durante a semana estávamos na pós graduação.
LOGO, NO TOTAL, FIZ 4 ANOS DE DERMATOLOGIA. Após 4 anos fui para o exército, meu pai medico ja coronel, não quis que eu fosse para o consultório dele pois disse que eu tinha que ter mais experiência dermatológica.
Lá fui eu como tenente temporária, e la fiquei por 7 anos. Fiz minha segunda pós graduação de medicina estética onde fiquei como professora durante 5 anos. Onde os médicos começaram a me encaminhar pacientes de pele negra pois diziam que eu deveria saber tratar por ser negra. Até aquele momento não havia me dado conta de que realmente só estudava em livros onde as patologias estudadas são todas baseadas eme pele branca.
Ali vi que algo mudou em mim…que tudo na pele negra era diferente. Fui para os EUA e ali conheci uma outra dermatologia, convivi com médicos negros dermatologistas. Voltando ao Brasil, meu marido falou para aprender a mexer no computador (vocês podem não acreditar eu não sabia usar computador, tudo meu era manual). Criei um blog, criei um facebook e as pessoas começaram a me achar na internet. Já atendia pessoas negras e já havia iniciado laser em pele negra, mas o jogo virou quando atendi o Lázaro Ramos, por intermédio de uma paciente, a mãe de Tais Araújo, que foi ao meu consultório onde atendia plano de saúde. E dali muita coisa mudou e só tem a mudar!!!
Se eu continuar a escrever ja estaremos em um livro! Mas eu quis passar para vocês um pouco de mim…E se você tiver a oportunidade de me conhecer, podemos conversar mais e fazer um stories, coisa aqui eu adoro. hahahaha
Um grande beijo a todos!
Dra Katleen Conceição
Dermatologista Especialista em Pele Negra
@katleendermato
dermatologiapelenegra.blogspot.com
Que história linda!! Desejo muito mais sucesso a Dra Katleen que ela seja ainda mais reconhecida pelo trabalho dela.
E muito sucesso e reconhecimento a você também Maraisa Fidelis, por nos inspirar, por compartilhar coisas bacanas e interessantes conosco diariamente através das redes sociais. Você nos passa confiança e credibilidade. Um super beijo!!
Muito bom saber de vc, de suas histórias , lutas e vitórias. Acompanho vc pelas redes sociais e te admiro muito. Parabéns !!!! A Maraisa Fidélis é maravilhosa também !!! Acompanho seus videos e sempre estou recomendando para amigos e família!!! Vcs são mulheres poderosas !!!!!
Um grande abraço !!!!
Parabéns pela história e pela trajetória, Dra. Katleen. Me orgulhei muito de ler seu relato e me identifiquei em vários momentos. Tive o mesmo sonho de cursar medicina, mas fui “barrada” por uma auto-estima inexitente e por desestímulos da branquitude ao meu redor. Enfim, mais uma vez parabéns pela linda trajetória de vida e luta. Você é uma verdadeira inspiração.
*auto-estima inexistente
Falar da Dra. Katleen? Fantástica, dedicada, enfim, uma profissional de altíssimo nível.
Falar da Katleen? Desnecessário. Seu sorriso largo, sua voz impositiva, mas carinhosa, ao receber seus pacientes são cartões de visita que nos levam, imediatamente, a confiar e a amar esta menina.